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domingo, 31 de dezembro de 2017

Freixo e a liberdade de pensamento

Pronto, acabo de ler mais uma análise da já famosíssima entrevista de Marcelo Freixo à Folha(1). Arrisco a dizer que todos os jornais e blogues de esquerda fizeram análises da tal entrevista. A maioria bateu em Freixo sem piedade -- alguns inclusive com um palavreado odioso e claramente ressentido --, e poucos souberam ler além da manchete sensacionalista da Folha. Bem, se algum mérito teve a entrevista foi perceber como Freixo é ouvido e ecoado pelos diversos matizes da esquerda, desde os "cirandeiros" até os frequentadores de listas de empreiteiras. Quando Freixo fala, as esquerdas ouvem. E isso é bom.
(Aqui cabe uma ressalva introdutória: não considero muitos partidos de "esquerda" como sendo autenticamente de esquerda e não vejo necessidade de fazer digressão sobre isso. Já tratei dos conceitos de esquerda e direita em texto anterior.)
Diante da avalanche de críticas que lhe assolou, Freixo gravou um vídeo(2) para desenhar o que já estava dito no texto -- aliás, como disse Sakamoto(3), não falta apenas amor no mundo, falta também, e muito, interpretação de texto --, e retomou os pontos mais criticados da sua fala à jornalista da gazeta tucana.
Sendo objetivo, toda crítica que Freixo recebeu concentra-se na manchete usada pelo jornal: "Não sei se é o momento de unificar a esquerda, não". As demais críticas são tão desconexas que apenas revelam o instrumento usado para a análise: o fígado. Tal manchete foi o suficiente para o lulismo mais dogmático escandalizar-se e pedir a cabeça do "traidor" do mito. Sim, infelizmente a esquerda também tem seus mitos. Lembrou-me bastante as críticas sofridas pelo jornalista tucano Reinaldo Azevedo, por "ousar" criticar(4) outro "mito" muito em voga entre adolescentes imberbes e pessoas pouco afeitas à reflexão mais consistente.
Os partidos de esquerda, todos, lançam seus candidatos ao pleito presidencial de 2018. Não há unidade possível na primeira volta das eleições: Manuela d'Ávila (PCdoB) e Ciro Gomes (PDT) são os exemplos mais evidentes. Lula, sendo bem pragmático, não sabe se poderá ser candidato e o PSOL ainda não tem um nome definido, apesar de ter alguns pré-candidatos e a certeza do lançamento dum nome à eleição.
Alguém nega isso? Óbvio que não. Mas ao deixar isso claro, Freixo apanhou do ódio dogmático que se entranhou no tribunal inquisitorial das redes sociais: "queimem as bruxas!" Não, eu não cheguei a ler isso, mas passou bem perto.
Quando Lula chutou o PSOL (um pequeno partido, diante do gigantismo odebrechtiano petista), chamando seus princípios ideológicos de "frescuras"(5), os mesmos veículos que hoje batem em Freixo elogiaram os dizeres de Lula e louvaram sua "perspicaz" análise política. E a unidade das esquerdas? Ora, às favas com essa unidade quando quem se pronuncia é o mito dos pós-adolescentes barbados.
O que se extrai disso? Para os críticos de Freixo, a unidade das esquerdas deve, necessariamente, orbitar em torno de Lula. Então, é-lhe dado o direito de criticar, desdenhar e menosprezar as demais forças à esquerda, sem nenhum constrangimento. E a essas demais forças restam apenas a resignação e a aceitação de sua insignificância. E qualquer crítica a essa forma de ver a realidade é entendida quase como uma manifestação de heterodoxia teológica.
Bem, essa visão mítica do real é maioria, sem dúvida. Isso é inegável. Mas há vozes divergentes, mesmo minoritárias, que pensam a luta das esquerdas doutra forma, com outros parâmetros. E o exercício da democracia é assim, por mais que isso incomode os cheios de ódio de qualquer lado do espectro ideológico.
Enfim, torço, como Freixo, que Lula possa realmente concorrer nas próximas eleições presidenciais. E, tal qual o massacrado entrevistado, voto mais à esquerda no primeiro turno. O candidato da esquerda que alcançar o segundo turno, seja quem for, terá meu voto. Por puro pragmatismo.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Sobre a incompetência técnica e profissional

Texto originalmente publicado no Blog da Revista Espaço Acadêmico
https://espacoacademico.wordpress.com/2017/10/04/sobre-a-incompetencia-tecnica-e-profissional/

Há um problema de fundo nessa decisão do juiz da 14ª Vara Federal no Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, sobre a “(re) orientação sexual” (eufemismo criado pelo citado juiz para referir-se à expressão mais conhecida: “cura gay”) que não vejo tratado em nenhum texto ou comentário.

O juiz, que tem formação em direito, decidiu, por conta da sua consciência (e, portanto, a partir de sua posição ideológica), sobre a atuação da profissão de psicólogo. Percebeu o que está errado? Se não, segue breve análise abaixo.

Para deixar claro o problema, farei uma comparação esdrúxula. Imagine um engenheiro civil fazendo cálculos estruturais a fim de garantir a segurança de determinada construção. Ninguém mais, além de seus pares profissionais, teria capacidade de julgar ou valorar os cálculos feitos pelo profissional da engenharia. Portanto, apenas seu conselho profissional poderia intervir sobre a atuação daquele suposto engenheiro.

Continuando com nossa fantasia, imagine agora que alguém, filiado a uma denominação religiosa qualquer, sente-se incomodado em não poder opinar sobre a questão, e aciona a justiça formal para poder refazer os cálculos do nosso engenheiro para aquela obra. Na sua petição, o querelante argumenta que, pela sua fé, o seu deus é garantia de segurança da construção e, portanto, não precisaria da intervenção do engenheiro e nem do respectivo conselho profissional.

O juiz, então, cioso da liberdade de pesquisa e atuação profissional, decide que o litigante terá o direito de também elaborar os cálculos estruturais daquela obra em análise jurídica, a partir das premissas da sua fé, considerando as forças metafísicas envolvidas para suportar a construção, desconsideradas pelo engenheiro.

Aqui não pretendo tratar do pedido jurídico, por si só absurdo, mas da decisão do juiz. De acordo com a comparação extrema acima, o juiz, ao decidir sobre a atuação de outra profissão da qual formalmente nada entende, põe em risco grave a sociedade e as pessoas que se submeterão às consequências dessa estranha decisão. Na nossa fantasia acima, o risco de as forças metafísicas consideradas pelo fiel, e permitidas por meio da decisão de um juiz ignorante no tema, não suportarem a estrutura bem real da construção causará inexoravelmente problemas estruturais graves na obra, podendo levá-la a ruir e a trazer consequências à integridade física de muitas pessoas.

Qual seria a posição adequada do juiz leigo em engenharia, na nossa fantasia acima? Declarar-se inapto sobre a questão e definir o conselho da referida profissão como único capaz de decidir sobre questões técnicas da sua área.

Trazendo para o caso concreto, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho é leigo em questões de psicologia, portanto incompetente para tratar de questões de psicologia. Sua decisão justa e correta seria apenas informar aos demandantes que cabe apenas ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) resolver questões referentes à atuação profissional do psicólogo.

Qualquer decisão diferente dessa seria, como foi, apenas manifestação ideológica e de fé de alguém inabilitado profissionalmente. Ou seja, uma barbaridade! Como seria se um suposto juiz, portanto especialista APENAS em direito, informasse a um engenheiro que ele deverá fazer seus cálculos considerando, por exemplo, a onipotência de um deus qualquer.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Sobre a tolerância: "vão embora e levem seu ódio"

"Iká kó dógba"
(Os dedos não são iguais)(1)

Mãe Stella de Oxóssi, ialorixá do terreiro soteropolitano Ilê Axé Opô Afonjá, ensina a tolerância, por meio do ditado iorubano da epígrafe. O homem Jesus, em sua comparação sobre a samaritana, também fala sobre tolerância. Os sábios, todos, falam de tolerância como condição basilar da convivência social.

Tolerar é entender que todos são, nas expressões, sentimentos e opiniões, diferentes, mas, na essência, iguais. Todos são iguais nas suas diferenças e esse entendimento leva, naturalmente, à convivência pacífica com o outro.

Quando se percebe o outro como o inferno(2), que impede a plena manifestação da própria individualidade, é porque a tolerância se esvaiu pela expressão da pura irracionalidade, e a única forma de expor a dificuldade argumentativa é o ódio e a intolerância. Isso se chama fascismo.

A intolerância é a expressão da falência da possibilidade de convivência com o diferente e da empatia que se carrega para o trato social.

Sociedades que se pretendam civilizadas não devem tolerar a intolerância, como ensina Locke em sua famosa "Carta"(3). O que pode parecer, à primeira vista, uma contradição filosófica, bem percebida pelo pensador inglês, é a fórmula para se permitir uma sociedade em que todos possam exprimir-se e conviver sem manifestações de ódio que a joguem de volta à barbárie.

Sim, não se pode tolerar o intolerante, porque esse não tem condições moral e intelectual de conviver numa sociedade civilizada, tal qual um marginal qualquer.

Cristãos que agridem profitentes do candomblé, muçulmanos que destroem expressões culturais antigas, supremacistas raciais que não suportam conviver com etnias diversas, militantes políticos que agridem verbal e fisicamente seu opositor ideológico, são todos incapazes de viver numa sociedade minimamente civilizada e, por isso, voltando a Locke, não devem ser tolerados e devem ser tratados como marginais abjetos e afastados desse convívio.

Na triste expressão de ódio promovida pelos supremacistas brancos no último sábado (12 de agosto de 2017), em Charlottesville, Virgínia, Estados Unidos, seu governador, o democrata Terry McAuliffe, brindou a todos com o que se espera de qualquer pessoa tolerante: "vão embora e levem seu ódio". Ou, resumindo, não se tolera o intolerante. E essa posição, apontada pelos incautos e cheios de ódio como contraditória, é a alma das sociedades contemporâneas civilizadas.

(1) OXÓSSI, Mãe Stella de. Òwe. Salvador: África, 2007.
(2) "O inferno são os outros".
SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
(3) LOCKE. John. Carta sobre a tolerância. São Paulo: Hedra, 2007.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

A aula magistral de Angela Davis

A presença de Angela Davis na UFBA, em Salvador, no dia 25 de julho de 2017, foi uma efeméride ímpar.

Muitas reflexões profundas podem ser feitas a partir de suas provocações intelectualmente brilhantes. Mas uma frase, no meio de tantas outras, motivou essa digressão:

"Não reivindicamos ser incluídas numa sociedade profundamente racista e misógina, que prioriza o lucro em detrimento das pessoas."

Primeiro, o reconhecimento tácito de que o sistema capitalista de organização econômica e social privilegia o lucro. Mas não é apenas a assunção do privilégio do capital sobre o humano, mas em seu detrimento, contra ele. O que ela nos ensina é que entre lucro e humanização há um vácuo, uma dissensão incompatível, um vale intransponível. Ou se está dum lado, ou do outro, não há consenso possível.

Bem, Marx e Engels chamaram essa incompatibilidade de "luta de classes". E essa luta entre lucro e homem é o motor da história.

Angela então nos ensina que a realpolitik praticada pelas esquerdas "sem frescuras" (assim se autodenominam) que assumiram o poder nos últimos 15 anos só poderia mesmo dar no que deu, porque não há "Carta aos brasileiros" que sirva de ponte de travessia nesse abismo entre capital e trabalho.

Lula certamente chamaria Angela Davis de "fresca".

Segundo, a estratégia de não se incluir num sistema que intenta apenas reproduzir as relações de produção. Não, a estratégia correta é transformar o sistema, reformular as relações, revolucionar a participação.

Angela, em suas palavras tão breves em Salvador, martela profundamente nossas mentes anestesiadas pelas falsas promessas de conciliação de classes, de jogos de "ganha-ganha", tão propalados pela miséria da nossa hodierna filosofia "sem frescuras".

Ou seja, a superação dos problemas conexos da sociedade desigual, como o machismo, o racismo, a homofobia, a misoginia etc, dar-se-á pela transformação do sistema de produção, e não pela inserção dos excluídos no processador de moer carne humana a favor do lucro.

A luta não é pela possibilidade de dar às negras a oportunidade de serem também carne a ser triturada pelo lucro, mas de dar às negras o protagonismo político e social de mudar o mundo. Só isso.

E, para encerrar, lembrei-me de trecho da música "Podres poderes", do baiano Caetano:

"Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Índios e padres e bichas
Negros e mulheres
E adolescentes
Fazem o carnaval
"

sexta-feira, 30 de junho de 2017

"A esquerda branca me enoja"

O título da postagem foi a resposta dada a um comentário crítico acerca dum prêmio recebido pelo jornalista Leonardo Sakamoto(1), por conta de sua luta contra o trabalho escravo. Não quero entrar no mérito da questão do prêmio do jornalista reconhecidamente de esquerda, e que já apanhou bastante na internet e nas redes sociais(2), mas comentar a resposta dada por uma mulher negra, e de esquerda, ao fato.
O fascismo tem como maior característica a interdição ao diálogo, feita sempre por meio da violência, em quaisquer de suas facetas: física, verbal ou simbólica. Apesar de sempre vinculado à ideologia da direita, já que usado de forma explícita por alguns estados de direita, como o emblemático caso italiano da época de Mussolini, o fascismo em si não seria uma ideologia de estado, mas uma forma de relação com o mundo: é-se ou não fascista, se me permito ou não o diálogo pleno com o diverso(3).
O fascismo também se caracteriza pela negação de tudo o que não se encaixa no pensamento do indivíduo ou do grupo social. O fascista nega. Nega diferenças, nega a qualidade de seus oponentes, nega conquistas e processos históricos, enfim, nega. E sua negação, como já dito, dá-se pela violência dialógica ou física. Então, sempre que vejo alguém argumentando por meio da desqualificação do interlocutor, um sinal vermelho acende: é o fascismo!
Como corolário óbvio, o fascista especula somente a partir de dados imediatos, que não suportam juízo crítico, haja vista sua forma irrefletida e simplória de perceber a realidade complexa à sua volta.
Estando isso claro, resta-me, mais uma vez, tratar da diferença entre esquerda e direita, que são conceitos sempre muito confusos na cabeça de muita gente, inclusive algumas bem preparadas. Como a sociedade é basicamente dividida em duas classes sociais, cujo fundamento se dá a partir da propriedade dos meios de produção, ou seja, há os que detêm os meios de produção e os que os que alugam sua mão de obra aos que detêm os meios de produção(4). Chamemos essas classes de capital e trabalho. Então, como a sociedade está organizada a partir do embate entre os interesses dessas duas classes distintas, o que nomeamos de luta de classes, direita e esquerda são exatamente as posições assumidas nesse embate dialético entre capital e trabalho.
Dessarte, ser de esquerda é lutar pelo trabalho, suas conquistas e direitos. Ser de direita é privilegiar o capital e sua expressão máxima: o lucro advindo da exploração do trabalho.
Estando também esses conceitos claros, volto à frase que dá título a essa reflexão: "a esquerda branca me enoja". Bem, agora se pode perceber que, além de fascista, já que privilegia a interdição ao diálogo por meio da violência argumentativa, a frase perde todo o sentido quando qualifica a esquerda de branca. E seria tão estranha quanto adjetivá-la de preta, ou feminista, ou homofóbica. Não, a esquerda é apenas o lado que luta pelo trabalho. Nela não há cor, etnia, gênero ou fé, haja vista que todas as cores, etnias, gêneros e crenças estão presentes na classe trabalhadora.
Além disso, outra coisa parece não estar muito clara para aqueles que se entendem como de esquerda: a luta pela emancipação do trabalho na sociedade, dando-lhe o direito de gerir os meios de produção, engloba necessariamente todas as lutas conexas de emancipação humana: a luta dos negros, das mulheres, dos grupos LGBT, do laicismo, dentre outras. Assim, não faz sentido, dentro do discurso da esquerda, destacar como suprassocial a luta específica de grupos alijados de direitos sociais. Uma luta de mulheres, independente da classe social, é inócua e vazia, pois as mulheres só conquistarão efetivamente direitos iguais a partir da emancipação da classe trabalhadora como um todo. Aliás, as leis propostas na Rússia bolchevique, após a revolução de 1917(5), ilustram bem esse argumento.
Para finalizar, a autora da frase a alterou posteriormente, ficando assim editada: "o racismo da esquerda branca me enoja". A frase continua, infelizmente, sem nenhum sentido, pois todo racismo é nojento, seja ele da esquerda branca ou da direita preta, se é que essas categorias existem...
(2) SAKAMOTO, Leonardo. O que aprendi sendo xingado na internet. São Paulo, SP: LeYa, 2016.
(3) TIBURI, Marcia. Como conversar com um fascista. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2016.
(4) VIANA, Nildo. Karl Korsch e a concepção materialista da história. São Paulo, SP: Scortecci, 2014.
(5) LIMA, Francis M. 100 anos da Revolução Russa e a luta das mulheres. in América Socialista, n. 10, abr 2017. São Paulo, SP: Esquerda Marxista, 2017.

domingo, 21 de maio de 2017

Ainda a luta de classes

Aqueles que se envergonharam apenas na última semana com seu voto passaram a postar, com insistência, a frase marota "é tudo farinha do mesmo saco". Não, não é tudo farinha do mesmo saco. Não, não é tudo igual. Então faço breve digressão para entender melhor essa malandragem ideológica(1).
Há uma questão de fundo que permeia todo o jogo político: ela se chama "luta de classes". Já tratei desse tema durante a campanha eleitoral de 2014(2) e lhe retorno para tentar clarear o momento atual, haja vista ser tal categoria fundamental para o entendimento da dinâmica social, política e econômica.
Quando alguém afirma serem todos os partidos iguais ou que não existem direita e esquerda, reproduz o discurso da direita, intencional ou inconscientemente. Direita e esquerda são rótulos históricos(3) para posições ideológicas e políticas antagônicas. Enquanto a direita defende a primazia do capital sobre o trabalho, a esquerda defende a primazia do trabalho sobre o capital. E, nessa refrega ideológica, não há conciliação possível, porque os interesses são absolutamente contraditórios.
Capital e trabalho são classes sociais. Então, luta de classes nada mais é do que o embate dos interesses entre o capital e o trabalho. Por isso há partidos que são rotulados de esquerda e outros de direita, porque defendem uma sociedade formatada diferentemente. Por exemplo, quando o PSDB e o DEMo defendem o estado mínimo e a sua não intervenção nas relações de produção, o fim da aposentadoria e dos direitos do trabalhador, estão justamente defendendo os interesses do capital e subordinando o trabalho a esses interesses, pois entendem que o lucro é mais importante que a situação do trabalhador. Já quando o PSOL ou o PT defendem um estado mediador das relações sociais, os direitos trabalhistas e a melhoria da condição social do trabalhador, estão buscando defender os interesses da classe trabalhadora e regrando a atividade do capital de acordo com esses interesses, pois entendem que a condição de vida do trabalhador é mais importante que o lucro do capital.
Estando claros os conceitos, assim espero, resta-me aplicá-los à nossa realidade. Ao buscar desqualificar a luta do campo ideológico da esquerda na defesa da classe trabalhadora, igualando-a à luta do capital promovida pelos partidos de direita e demais aparelhos ideológicos de estado(4), como imprensa, instituições religiosas e empresas, o incauto trabalhador - porque não cabe falar do dono do capital - reproduz um discurso alienado, que o mantém submisso aos fortes grilhões do capital, uma vez que esse trabalhador não se sentirá motivado a se engajar na luta da sua classe social pela melhoria das suas próprias condições de vida. E mais, odiará a luta da classe a que pertence(5) porque não entende as diferenças profundas entre esquerda e direita.
Ao reduzir a atividade político-partidária à corrupção, dizendo que todos são farinha do mesmo saco, reproduzindo um discurso interessado da grande imprensa, o trabalhador alienado torna-se completamente inapto a lutar por seus direitos e passa a achar que as migalhas sociais oferecidas pelo capital, que são parte do jogo ideológico, são os únicos benefícios possíveis na sociedade desigual em que se insere. E passará a entender a sociedade através do olhar duma classe que não é a sua.
Então, não se deve reduzir a atividade político-partidária à corrupção, porque política não é sinônimo de corrupção. A corrupção se encontra em todas as atividades humanas e não é exclusividade do jogo político. Aliás, a corrupção é uma das formas de o capital exercer a soberania de seus interesses na sociedade. Políticos corruptos não são corruptos porque são políticos, pois seriam corruptos também noutras atividades do cotidiano, são corruptos por sua formação imoral. Dessarte, se há indivíduos corruptos no meio da classe trabalhadora - e os há -, em vez de desqualificar toda a luta da esquerda por conta disso, deve-se alijar tais indivíduos da liderança da classe trabalhadora.
Criminalizar a atividade política é um jogo ideológico cruel, porque justamente promove o desinteresse da classe trabalhadora na sua participação política, deixando ao capital todo o poder de definir a organização social em que se vive. Ao trabalhador resta lutar por seus direitos e conquistas sociais por meio dos partidos políticos de esquerda, dos sindicatos e dos meios de comunicação alternativos, como as redes sociais, a fim de tentar se contrapor ao avassalador poder do capital sobre a sociedade.
Então, meu amigo, na próxima vez que você postar um meme dizendo que no Brasil todos os partidos são iguais, saiba que você estará apenas promovendo o avanço dos interesses do capital sobre os direitos do trabalhador e, por corolário, reforçando a precária condição social da classe trabalhadora.
Notas:
(1) Essa "malandragem ideológica" é muito bem apresentada no livro de Clóvis de Barros Filho e Gustavo Fernandes Daineze, "Devaneios sobre a atualidade do Capital".
(2) No blogue Diálogos impertinentes -
http://dialogosespiritas.blogspot.com.br/…/luta-de-classes-…
(3) Vale a pena conhecer o porquê do uso desses rótulos, sugiro a leitura dum ótimo livro de Norberto Bobbio, "Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política".
(4) Sobre aparelhos ideológicos de estado, conceitos e entendimento de seu funcionamento na sociedade, recomendo a leitura do livro de Louis Althusser, "Ideologia e aparelhos ideológicos de estado".
(5) Vale a lembrança da famosa frase de Malcom X: "Se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo".

domingo, 30 de abril de 2017

VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita

Acontecerá em Salvador, BA, entre os dias 26 e 28 de maio de 2017, o VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita.

Abaixo, texto extraído da página do evento:

Estarei lá!
VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita
CEPABrasil - ​Salvador-BA - 2017

Nos dias 26 a 28 de maio deste ano de 2017, o Teatro Espírita Leopoldo Machado - Telma realizará em sua sede, na cidade de Salvador-BA, o VIII Fórum do Livre-Pensar Espírita, evento promovido pela CEPABrasil - Associação Brasileira de Delegados e Amigos da CEPA - Associação Espírita Internacional.

A CEPA, que teve como um de seus primeiros delegados no Brasil o pesquisador Carlos Bernardo Loureiro, fundador e presidente de honra do Telma, encontra em Salvador um centro espírita com profunda identidade de pensamento.

Os participantes do FLPE, que virão de várias cidades, debaterão temas espíritas sob a perspectiva do pensamento laico, progressista e livre-pensador, que marca a CEPA e o Telma.

O evento também contará com palestrantes baianos consagrados, inclusive membros de diversas instituições espíritas e da Federação Espírita do Estado da Bahia (FEEB), que realizarão debates de alto nível sobre convergências e divergências no entendimento do Espiritismo e seus caminhos éticos. Participe!


Para maiores informações:
http://www.telma.org.br/viii-forum-do-livre-pensar-espirita.html

domingo, 12 de março de 2017

Um harakiri necessário

Leandro Karnal, após apagar sua postagem jantando e bebendo vinho ao lado do juiz Sérgio Moro, fez nova postagem com um mea culpa a seus seguidores.

Desse imbróglio Karnal-Moro ficam, para mim, algumas lições:

1. Para quem pensava que Sérgio Moro era uma unanimidade, em verdade ele é rejeitado por parte muito significativa dos habitantes das redes sociais. Tamanha foi a reação contrária ao encontro inusitado que Karnal viu-se impelido a apagar a postagem e escrever suas desculpas. Sim, ser visto hoje ao lado de Moro é um certificado de "maus antecedentes", haja vista tantas arbitrariedades e ilegalidades cometidas pelo juiz curitibano.

2. Quando uma pessoa inteligente e bem preparada se expõe de alguma forma, pressupõe-se que a manifestação seja sempre de caso pensado. Ou seja, algo sempre é dito além do mais evidente. E, no caso de Karnal, em seu texto diz que, além de ter sido descuidado na postagem, "por perceber que errei, deletei o post com a foto feito após algum vinho. Se beber não poste." A culpa foi do vinho. Ah, tá. Karnal não tem o direito de zombar de seu público, achando-o incapaz de ler as entrelinhas, como o fez nessa resposta, no mínimo, descortês. Barbara Gancia, em resposta ao texto de Karnal, foi incisiva e certeira: "Não precisa se explicar, cada um que pense o que lhe for da cabeça. [...] E, como bebida não é atenuante, muito menos para falha de caráter, continuo a achar -como sempre achei- que o senhor tem lá alguns bons momentos, mas, no âmbito geral da sua atividade profissional, sua prédica não passa de ar quente." É certo que a resposta da jornalista foi dura, mas revela o que disse acima: havia uma intenção além do mais evidente na publicação, então que cada um entenda como lhe aprouver, e eu entendi como a jornalista paulista.

3. A aproximação entre direita e esquerda hoje no Brasil se tornou quase uma impossibilidade. A dicotomia radical de posições entre lados políticos opostos transbordou das câmaras legislativas e palácios de governo para ruas, bares, escolas e lares. A convivência entre pessoas de pensamento político divergente tornou-se insustentável, a tal ponto que o mero fato de ser visto em convescotes com um adversário politico basta para a execração pública e cruel de qualquer pessoa. Chico Alencar e Leandro Karnal são exemplos recentes dessa dualidade irreconciliável. Aquele tio coxinha, aquele primo bolivariano ou a amiga feminista são pessoas para serem mantidas a uma distância regulamentar, a fim de evitar um confronto duro e incômodo. Os grupos virtuais e as rodas de amigos têm agora regras que impedem qualquer manifestação política, visando uma paz que já não existe, mentirosa, pois qualquer pequeno escorregão de uma das partes, os embates tornam-se inevitáveis.

4. Temo sinceramente pelo futuro político desse país. As eleições vindouras poderão ser um marco ainda maior de agressividade, desrespeito e violência. Poderá ser o harakiri da nossa sociedade, com perdas de todos os lados e rachaduras irreparáveis. E talvez, como diria Hegel, seja a necessária antítese que poderá gerar algo melhor num futuro distante. Mas atravessar esse mar tormentoso para todos será uma experiência traumática. Os sobreviventes sentir-se-ão como Pirro em Ásculo.

São tempos difíceis e, pior, acho que não serão breves. Uma noite política se instalou entre nós e os lobos estão soltos, à caça de quem vacilar em suas escolhas.
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