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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Espiritismo e política - II

Minha experiência em casas espíritas, e já é uma longa experiência, contada em décadas e muitas casas diferentes, mostra que o tema política costuma não ser muito bem vindo em palestras e estudos internos. O que é uma pena.

Há duas justificativas mais comuns para essa proibição implícita: uma é que o espiritismo não deve imiscuir-se em política partidária por pretender um discurso universal, portanto não deve tratar de política em suas atividades; outra é a crença que a discussão política leva à dissensão, quebrando a harmonia necessária às atividades da casa ou do grupo, focadas no atendimento a carências diversas.

Bem, penso que as duas justificativas são insustentáveis e ilustram um comportamento mais prejudicial do que construtivo. Mas as enfrentemos.

Sem dúvida, o maior objetivo das propostas espíritas é a transformação interior do homem, que significa a transformação de seus sentimentos, de suas atitudes e de seus pensamentos. Lutar contra o orgulho e o egoísmo que impedem nosso crescimento como indivíduos e cidadãos resume bem a proposta de Jesus transcrita nas obras kardecistas.

Mas como realizar a transformação pessoal sem a necessária convivência com o outro? Afinal, é justamente na convivência em sociedade que conseguimos expressar nossos sentimentos, praticar nossas atitudes e burilar nossos pensamentos. A comparação do homem em sociedade com o lapidar da pedra em contato com outras é bem ilustrativo do processo de transformação interior do indivíduo: só conseguimos melhorar a partir da convivência, do contato, do conflito com o outro. Ou, de outra forma, só mudamos a partir da experiência social com o outro. Isso significa que toda meditação, oração e estudo de nada servirão se não conseguirem mudar nossas posturas com o outro.

Nossas experiências sociais iniciam-se em família e transbordam para grupos cada vez maiores no nosso processo de amadurecimento. E em todos esses grupos precisamos colocar em prática nossa opção de ser espírita: empatia, caridade, compreensão e respeito. E saber viver em grupos sociais, buscando o melhor para nós e para todos é o que se pode traduzir muito bem como política. Portanto, fazemos política o tempo todo em nossas relações sociais. Fazemos política na família, no condomínio, na escola, no trabalho, na casa espírita, em qualquer lugar, pois fazer política é justamente buscar conviver bem nos grupos sociais a que pertencemos. E por que não podemos estender essa busca pela melhoria de nossos grupos relacionais à dimensão do nosso bairro, da nossa cidade ou da nossa nação?

Será que discutir nossas posturas em família causa dissensão? Se não, por que discutir nossas posturas na cidade causariam? Viver na cidade é ser cidadão e a casa espírita precisa discutir a cidadania. E isso é política da melhor qualidade! O espaço de discussão do espírita é a casa espírita por excelência e ela não se pode furtar a esse papel. Educar e orientar o cidadão são auxiliá-lo em seu processo de transformação pessoal, é ser espírita na melhor acepção da palavra.

Limitar a discussão política à discussão da política partidária é reduzir o papel da política em nossas vidas. Isso não quer dizer que não se pode também enfrentar esse tema, haja vista a nossa necessidade de dialogar sobre as questões da cidade, e que essas questões podem resvalar, algumas vezes, em questões partidárias. Mas outra coisa bem diferente da discussão partidária, e de candidaturas para cargos eletivos, é a discussão sobre ideologias e suas formas de enfrentamento dos problemas da cidade. Penso que o diálogo ideológico é essencial até para o bom entendimento dos discursos políticos, das notícias e dos fatos cotidianos que nos alcançam. E dialogar sobre ideologias e suas formas de entender o mundo não é doutrinar, é educar, portanto crescermos como indivíduos e melhor nos preparar para a atuação em sociedade.

Quanto à questão da manutenção da harmonia do ambiente da casa espírita como justificativa para a vedação do diálogo político interno, penso que são tantas as questões que causam desarmonia entre pessoas, que não seria esse o problema. Em verdade, não é o tema política que causa desarmonia, mas a situação emocional e mental dos indivíduos, pois nos desarmonizamos em qualquer situação que toque em ferida aberta ou melindre guardado. Se o tema em questão leva à desarmonia, é uma ótima oportunidade para o trabalho na casa espírita, pois temos a oportunidade de enfrentar um ponto que mexe na nossa paz e na nossa tranquilidade. Ora, não é esse justamente o papel da casa espírita? Deixaremos então de atender indivíduos, encarnados ou não, que exibem comportamento desajustado porque pode causar desarmonia? Como se vê, discutir política deveria ser como dialogar sobre qualquer questão, incluindo nossos problemas mais incômodos, como aqueles que nos tiram do sério e expõem nossas severas dificuldades emocionais e relacionais.

Sei que esse tema ainda é grande tabu nas casas espíritas, mas é preciso enfrentá-lo para conseguirmos superar esse obstáculo e tratar a política como parte da nossa formação integral.
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