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terça-feira, 11 de março de 2014

A ciência, o espiritismo e a FEB

Eu tento. E tento de boa fé. Sério, mas é difícil! Foi assim: vi o anúncio dum evento na FEB, a Federação Espírita Brasileira, marcado para a noite do dia 10/03/2014, com o instigante tema “A física e o espiritismo, paralelo e convergências – A ciência e a ciência espírita”. Como é um tema que muito me interessa, decidi assistir-lhe. Cheguei cedo, cerca de uma hora antes da apresentação, e despendi o tempo na livraria para inteirar-me das novidades literárias.

O assunto é árduo, principalmente quando abordado para uma plateia sem maiores conhecimentos de filosofia da ciência, teoria do conhecimento e, claro, rudimentos de física. O palestrante teria pela frente responsabilidades em relação aos público e tema.

Para minha surpresa, o palestrante que falaria da física e suas relações com o espiritismo era um... médico! Bem, tinha esperanças que fosse alguém interessado e ilustrado no que seria tratado. Ouvi-lo-ia então, sem preconceitos.

O cardiologista começou por tentar definir algumas questões de filosofia da ciência e teoria do conhecimento, objetivando o nivelamento do público ao que abordaria, já que necessárias, como explicara. Definições de verdade, certeza, crença e conhecimento saíam com superficialidade e pouco cuidado, apresentando já as credenciais do que eu enfrentaria naquela noite. Mas quando resolveu caracterizar a ciência “ortodoxa”, qualquer esperança de bom senso se esvaiu imediatamente e meu interesse seguiu o mesmo rumo.

Uma digressão: sempre que ouço alguém falar de ciência ortodoxa, um sinal de alerta é imediatamente soado: estou diante dum discurso bobo, pueril e pouco elaborado. Não existe uma ciência ortodoxa e outra heterodoxa, existe ciência. Assim, quando se quer dar um ar científico a um discurso infundado, diz-se que é uma ciência, mas não ortodoxa, como o fazem a astrologia, a homeopatia, a psicanálise, a teologia, o espiritismo e outras tantas.

Pobre ciência, violentada num leito de Procusto, adequando-se às necessidades das pregações inconsequentes. Mas não sou Teseu, e resolvi apenas ouvir, apesar de angustiado pelo sofrimento atroz imputado à indefesa ciência. Indefesa porque o público, em sua maioria ignorante de seus princípios teóricos, cria estar diante de novidades que a aproximavam daquelas bobagens que se seguiam numa verborragia torturante. E eu quase podia ouvir os urros da vítima sendo esticada e amputada em partes essenciais naquele leito de horror.

E eu, na balbúrdia da minha mente, não obstante o silêncio exterior, refutava cada argumento, cada frase, relembrando as já distantes aulas introdutórias de epistemologia na academia. Como aquilo poderia ser tratado com seriedade por pessoas com um mínimo de entendimento filosófico? Até um aluno dos semestres iniciais de filosofia seria capaz de perceber os absurdos conceituais.

Após destratar a filosofia e a história, o capataz resolveu também deitar a física no mesmo leito. E eu assistia àquela sessão de tortura silente, incapaz de qualquer manifestação. Fui um covarde, assumo, pois estava muito próximo ao patíbulo para ousar intervir. E, enquanto me contorcia diante daquela tragédia, percebia que o público deliciava-se com as palavras, sem perceber a dor do conhecimento, aceitando-as como nova revelação, como o fazem todos que ignoram algo e não foram educados para a reflexão crítica.

Terminou como começou e um vazio preencheu meus sentimentos. Senti-me como um parente de vítima perseguida num anfiteatro romano: enquanto todos aplaudiam, eu sofria. Fui-me embora, na noite fria da capital federal, num ônibus vazio. E eu cheio de nada. Pouco a pouco percebi a mente retomando a reflexão, depois daquele espasmo intelectual, e lembrei-me duma frase que usara noutros tempos sem parcimônia: olha no que deu o espiritismo...
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